quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

DE Diego Pinheiro



OS OLHOS DA VERDADE


Falávamos de coisas muito corriqueiras, não nos engrandecia em nada conversar o que estávamos conversando, mas conversávamos. Uma vez ou outra as pessoas se permitiam um momento de felicidade eufórica.Naquele dia eu tinha algo pra fazer e resolvi ficar compenetrado, é claro, da minha forma, tentando dissimular descaso e isso me fez andar um pouco mais a frente do grupo. O mesmo parou. Tinham encontrado um amigo, parece que era um amigo de uma das pessoas, tive noção do atraso e voltei. Conversaram, se despediram, e foi aí que ela veio... Olhos marejados, sendo que um deles parecia estar “catarateado”, descabelada e é claro vestia-se muito mal. Era uma senhora, pelo menos aos nossos olhos, talvez as necessidades que passava a fizessem bem mais velha. Ela pediu dinheiro. Pediu lamentando como se esperasse que não conseguisse nada... Acho que fui até maldoso ao dizer-lhe que veria se eu tinha alguma coisa, quando eu não tinha. Um dos nossos amigos pegou a carteira timidamente, sem olhar para a senhora, mas fez um sinal expressando negatividade logo após uma outra pessoa do grupo ter dito algo pra ele, algo que era inaudível pra mim.Ela tinha nos esclarecido que era pra comprar leite, leite para as crianças dela, e se algum de nós estava duvidando, que fosse comprar para ela, então. Eu ainda disse que não, que não precisava desse ato de incredulidade.Ela se foi. Eu fiquei meio que indignado, talvez fosse essa palavra certa. Foi instantânea a minha falação: “Isso me deixa...” Não completei. Uma amiga minha tinha complementado com um “eu também”. Eu já não pensava “no algo” que eu tinha a fazer – cabe dizer aqui que eu penso demais, e essa questão me tirou do foco que eu tinha – e foi quando ouvi um comentário que me deixou mais indignado: “ Olha gente, não fique assim, não, porque ela sempre faz isso. Ó, ela mexe no olho pra forçar a lágrima a sair!” Uma outra pessoa, a qual tinha falado com o amigo que tinha tirado a carteira do bolso confirmou o comentário. A amiga que tinha dito o “eu também” esclareceu que um olho dela estava meio que doente, era o “catarateado”, então a primeira que nos esclareceu quem a senhora era disse que supostamente o olho dela estava assim pelo fato de tanto mexer no olho para que forçasse as lágrimas. Ainda brinquei dizendo que ela era uma boa atriz e tinha me convencido.Parei e pensei, me controlei para que eu não pensasse alto. De fato, se eu precisasse de comida, tanto para mim quanto para os meu filhos, eu usaria desse tipo de convencimento, ou até mesmo se eu precisasse sustentar os meus vícios, independente do que sejam esses vícios.Parecia que nenhum de nós tinha ciência se ela era uma pessoa que tinha o propósito de pedir dinheiro para os filhos ou para qualquer outra coisa. A verdade é que estamos sempre nos policiando, sempre na sombra, por isso não encarem esse texto como uma crítica aos meus amigos, mas uma crítica à sociedade que fizeram de nós pessoas desconfiadas e de escura compreensão.


Diego Pinheiro:
Ator, fututo diretor teatral, musico, compositor, arremedo de escritor (segundo suas proprias palavras).