sexta-feira, 6 de março de 2009

Lugar de criança é na infância... por JULIANA MOURA


Nas últimas semanas, um fato que ultrapassou os limites do entendimento, da covardia e da desumanidade provocou reações de repúdio, além de um sentimento incontido de revolta e vergonha, em grande parte da população pernambucana: a gravidez de uma menina de 9 anos, que teria sido estuprada pelo padrasto. Não há outra forma de mencionar essa quimera, não há qualquer eufemismo ou disfarce a ser usado para tratar de um assunto tão infame quanto controverso. Para isso, é preciso que reconheçamos a decadência dos nossos valores e das nossas instituições (dentre elas, a mais preciosa: a família). É necessário que esqueçamos pudores e afirmemos: a violência doméstica é uma constante e o Estado, arraigado pela corrupção, não tem despendido força suficiente para combatê-la. É imprescindível percebermos (ou, finalmente, entendermos) que a prostituição infantil não é história em quadrinhos: ela já tolheu, já maltratou, já humilhou e já pulverizou a inocência, pois a mácula impune de uma única criança constitue crime, ouso dizer, contra toda a humanidade.

Entretanto, o foco de uma discussão que poderia ser séria e responsável foi transferido, de forma quixotesca, para o âmbito da religião e do preconceito. O arcebispo de Olinda e Recife, Dom José Cardoso Sobrinho, decidiu eleger a equipe médica selecionada para interromper a gravidez da menina (que não tem estrutura física para suportar dois bebês, já que espera gêmeos, nem maturidade para ser mãe) à categoria de "moinhos de vento", ameaçando médicos e enfermeiros de excomunhão e empregando toda a sua influência para garantir o fiel cumprimento do 6º dos Dez Mandamentos: "Não Matarás". Alguém esqueceu de ensinar ao arcebispo um dos mandamentos mais importantes da lei da vida: "Lugar de criança é na Infância".

A comunidade deve ser instruída a relatar às autoridades policiais os casos de abuso e de exploração infantil; os professores, diretamente envolvidos com as vivências e o cotidiano da criança e do adolescente, devem permanecer atentos ao comportamento desenvolvido pelo aluno durante o período de atividades escolares; o Estado deve investir em políticas públicas de educação, instrução e combate à violência doméstica, reprimindo a conduta delitiva, oferecendo suporte à família, e, através de sua força coercitiva, coibindo a grande indústria de exploração sexual que agride a infância e fere os princípios do Estado Democrático de Direito.

Fato incontroverso é que a exploração sexual infanto-juvenil efetivamente existe, estendendo-se desde as práticas abusivas cometidas no interior do ambiente familiar até os absurdos expostos em praças públicas, grandes avenidas e albergues mantidos por "cafetinas". Ponto de interrogação é a importância atribuída a essa realidade, que é negligenciada pelo Poder Público (que se omite), pela sociedade (que não reivindica), pela Igreja (que desvirtua a problemática), por mim (que, no quebra-cabeça do conformismo, sou peça fundamental).


Texto copiado do Blog "O Zero e o Infinito" de JULIANA MOURA, Pernanbuco/Brasil.

7 comentários:

Reinaldo Sousa disse...

Ju...

Seu texto chegou a me emocionar muito. Eu tinha me esquecido que esse horror aconteceu no seu estado, embora isso ocorra em todos os lugares do mundo, e nós não ficamos sabendo. Porque será?

O poder público (o estado) se omite, justamente para a decadência da família, não há interesse de quem governa no fortalecimento de uma instituição, e em nada que possa se organizar e ameaçar o seu reinado.

A igreja, minha linda, não passa de mero instrumento do estado. A quem interessa excomungar alguém pelo bem que faz a uma criança? A DEUS? Há interesse de nos confundir, de nos dividir, infelizmente eles têm conseguido isso com muito êxito.

Para terminar Ju, eu acredito que a população, principalmente nossa geração é ridícula, nós aceitamos tudo passivamente e felizes. Eu me recordo da geração de minha mãe e dos grandes feitos deles, e sinto vergonha de hoje. Acredito muito no que você disse, “no quebra-cabeça do conformismo, sou peça fundamental”.

PS.: Peço licença a vc para colocar esse seu texto em meu blog.

Grande abraço, minha linda. Me alegro muito sabendo que apesar da passividade de nossa geração, há jovens que pensam, e de alguma forma expressa sua revolta ante essa roda de corrupção e descaso.

Sinta-se abraçada!

Reinaldo Sousa

Anônimo disse...

Meu rei, por isso que minha música de cabeceira ainda é "como nossos pais" de Elis Regina. "Ainda somos os mesmos e vivemos como os nossos pai". Vivemos acomodados e passivo com todos esses absurdos. Enfim, assim é a vida! Ótimo texto jornalistico da pernanbucana!

Anônimo disse...

É incrivel como estamos banalizando até massacres com crianças, fico chocado com isso. Do mesmo modo, que fico perplexo, com a igreja católica, excumungar os médicos e enfermeiros, enquanto o desgraçado do padastro é perdoado. Como diria a minha vó, "faça-me uma garrapa!", e eu completo, "pois a seco não desce".
Abraços meu rei

Anônimo disse...

Vc não imagina o quanto fico feliz por encontrar esse texto aqui. Principalmente porque me faz compreender que a intolerância e o preconceito já foram ultrapassados pela maioria de nós.
Gosto muito de frequentar o seu blog e fico muito feliz pelas suas visitas ao meu.

Abraço bem forte!

L.Gris disse...

"[...]Além de excomungar
O ministro Temporão,
Dom José excomungou
Da menina, sem razão,
A mãe, a vó e a tia
E se brincar puniria
Até a quarta geração [...]
Dom José excomungou
A equipe de plantão,
A família da menina
E o ministro Temporão,
Mas para o estuprador,
Que por certo perdoou,
O arcebispo reservou
A vaga de sacristão."

(Migezim de Princesa)

L.Gris disse...

P.S: Cordel completo postado no meu blog http://coresgris.blogspot.com/

Anônimo disse...

Por que nao:)